obra prima
- Marcelo Nery
- 6 de set.
- 2 min de leitura
Atualizado: 7 de set.

Toda vez que ela ia ao banheiro, fazia uma obra de arte. Não, não era um cocô perfeito com tamanho, bitola e textura corretos. Nem a cor. Era literalmente uma obra de arte, uma pintura de altíssima qualidade!
A primeira vez que isso aconteceu foi depois de ter comido salada de ovos. Saiu uma no estilo de Van Gogh, bem amarelinha. Elas vinham enroladas, daquele jeito que as telas são guardadas em tubos de plástico. Ela ficou olhando para aquilo. Com o tempo, acostumou-se com o absurdo e dava descarga. Depois, resolveu guardar algumas e mostrou para sua mãe, que achou um horror, mas a artista não parou.
Descobriu que, dependendo do que comia, o estilo artístico variava. Se misturasse doce com salgado, produzia surrealismo. Comida mexicana era um deleite: Fridas Kahlo maravilhosas que nem as originais eram páreo. Evitava alguns pratos, pois o estilo não a agradava, como comida japonesa que virava um minimalismo sem graça. Às vezes arriscava um milho cozido, mas os naïf ficavam estranhos. As caganeiras eram as preferidas: uma semana inteira produzindo série abstrata.
Decidiu fazer uma exposição. Conheceu um marchand importante e prepararam o evento. Foi um alvoroço nas mídias mundo afora.
O problema era o cheiro. As pessoas analisaram a curadoria com lágrimas nos olhos, fingindo ser apenas pelo talento; afinal, se é sucesso, as pessoas amam qualquer merda, mesmo. A ala expressionista foi composta com sopa de cebola e ali só entravam os eruditos. O mais suportável era o espaço renascentista, com obras oriundas de doces maravilhosos. Frutas nunca deram certo: as cores puras da pop art eram feias, dizia.
Os corajosos compravam as obras. E pagavam caro! "Cinco milhões!", dizia o leiloeiro. Daí ela ficou rica e famosa, requisitada pelos principais museus do mundo e para exposições gigantescas.
— Deu muita cagada na vida — diziam os invejosos.
O trabalho era tanto que ela vivia comendo. Não dava nem tempo da comida ser processada pelo estômago. Acabou engordando muito, mas valia a pena o esforço.
— É como se eu estivesse empurrando o cocô de cima para baixo, igual um tubo pressionado na ponta — falava nas entrevistas sem parar de comer.
Acabou desenvolvendo diabetes e morreu.







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